De que nome chamar estes pequenos e, por assim dizer, deliciosos textos que compõem Delírio de Damasco, novo livro de Veronica Stigger? Misto de poema-piada, crônica pornográfica e pedagogia de chiclete, o livro é composto simplesmente de frases recolhidas das ruas ou de qualquer lugar.
Originalmente exibidas em uma exposição de arte no SESC de São Paulo, em forma de cartazes – sendo que alguns dos cartazes, na ocasião, foram censurados, seja pelos palavrões ou pela temática sexual – as frases são organizadas através da tríade sangue, sexo e grana. Por outro lado, a graça consiste, muitas vezes, mais pelo que as frases omitem e menos pelo que efetivamente enunciam, o que acaba atribuindo a elas um caráter enigmático e ingênuo. “Mas onde foi? / Na bunda, / ela respondeu”, diz um dos diálogos da seção pornográfica.
O projeto já está anunciado em seus dois elogiados livros anteriores: Gran Cabaret Demenzial, 2007, e Os anões, 2010, em que a velocidade da escrita, às vezes muito próxima da fala, parece solicitar uma forma também pré-literária, se entendemos literatura como construção sólida, romance. A escritora, agora, parece pouco intervir nas frases que recolhe, se limitando às vezes a cortá-la em três versos, dando a elas um ritmo de haicai, só que um pouco mais febril.
O livro de Stigger possui uma natureza complexa que se esconde por trás de uma aparência simples, tosca. Atenta aos vestígios, a escritora parece mais próxima do arqueólogo, e não do literato, o que é reforçado também pelo caráter “documental” de sua ficção. Uma espécie de autoria compartilhada, visto que a Stigger não escreve uma linha sequer de todo o texto, também é uma das discussões fortes do livro.
Com Delírio de Damasco, Veronica Stigger radicaliza o procedimento de sua escrita e vai um pouco mais longe na sua procura por uma literatura estranha a ela mesma; digamos, uma literatura anã.
Victor da Rosa
Publicado no Diário Catarinense, 27/11/2012
Obs.: O lançamento do livro ocorre dia 28, às 18:30 na UFSC (Florianópolis). Mais informações aqui